sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

down the memory lane



parte II

IS THIS REAL LIFE? Estou mesmo continuando um raciocínio? Veremos se isso se mantém até o último.ponto.final.

~nos episódios anterioresssss~ nós vimos que a pequena Vanessa quicou de escola em escola. Calma, deixa eu contar aqui: uma na primeira série, quatro na segunda - a última delas também foi a escola da terceira e da quarta - outra na quinta, outra na sexta, outra na sétima, outra na oitava e primeiro ano, outra pra terminar tudo: 10 escolas diferentes. PARABAINS.

Se eu tivesse nascido loira e rica, talvez isso não fosse um problema. Mas eu sendo eu, pelamor.

Por exemplo. 

Eu fiz uns 15 minutos de maternal e foi tão traumático que eu nunca mais quis voltar pra escola. Bárbara, a responsável por essa tragédia, já teve publicidade demais nesse blog ao roubar meu giz vermelho, não quero falar mais dela. Só preciso dizer que não teve lancheira da mulher maravilha que me convencesse a ir pra escola até 3 anos depois. Meu pequeno eu tinha acabado de fazer 6 anos e minha mãe sabia que a pré-escola mataria de vez minhas habilidades sociais (nunca soube dividir, nunca quis aprender) e me matriculou logo na primeira série. Foi AQUELA discussão, porque onde já civil uma criança de 6 anos na primeira série, não vai estar sendo possível. Minha mãe pediu pelamordedels e eles me deram uma chance.

A tia foi lá e perguntou quem sabia as letrinhas e eu sabia as letrinhas. Ela disse então que pra começar, todo mundo tinha que fazer o "a" na folha inteira. E eu reproduzo literalmente o que ela disse: façam o a na folha inteira. O que ela queria e todas as outras crianças fizeram:


Cinco segundos depois, eu tava berrando que acabei. A tia ficou chocada e pediu pra ver meu caderno, onde constava isso:


Ao contrário do que todo mundo pensa, eu fui admitida forever na primeira série e todos me amão por essa belíssima interpretação literal. (Se fosse hoje, era capaz de diagnosticarem autismo, eu acho.)

E daí pra frente foram só momentos de glória. Como o dia em que eu pedi pra professora me dar uma mesa na parede. Você se pergunta a razão e eu te digo: você era um pequeno infante nos anos 80, amado leitor? Se não era, nunca vai saber qual era a forma cruel de divisão de classes da época, a caixa de lápis de cor. Não existia a casa china. Não existiam as lojas americanas. Existiam duas marcas, que poderiam te levar ao topo ou ao fundo do poço. A primeira, Faber Castel. A segunda, Labra. Me responda qual delas é a que você lembra, que tem a música do toquinho, que resiste aos tempos e qual ninguém queria ter.

Pois minha mãe não apenas comprou uma caixa da Faber Castell, comprou uma com TRINTA E SEIS FUCKING CORES. E ó que eu estudava em escola de gente rica sem ser rica e ninguém mais tinha aquela caixa de lápis do amor. Minha caixa continha cores maravilhosíssimas como dourado e rosa bebê. NÃO PEGA NOS MEUS LÁPIS!!!111 Cê dividiria sua caixa de lápis de 36 cores com os outros? Eu nem morta. Ainda mais as cores que ninguém tinha, não vem com esses cinco dedo na minha direção. De modos que assim que eu ganhei minha mesa na parede, eu passei a deixar a lancheira tipo uma paredinha do lado livre e ameacei o coleguinha da frente pra que não virasse pra trás se quisesse conservar os dois olhos e TCHARAM, ninguém mais tinha acesso aos meus lápis do amor. Pensa na vida social da criança.

Aí minha mãe me tirou da escola rico extreme e passou pra outra médio rico (hahahaha), onde aconteceu o drama do rim esculhambado. Só que depois do drama do rim, veio a cirurgia do rim, seguida pela recuperação da cirurgia do rim. A escola inteira foi avisada de que não podia me encostar de jeito nenhum, de que eu não podia carregar nada, ficar muito tempo em pé, sentar no chão, correr, ficar sob o sol, subir escada, descer escada, ficar muito tempo sem ir ao banheiro (oremos), etc etc etc. Uma princesa no ambiente. Passei o ano fazendo essa história render. Já tava ótima, brincando de pega-pega e andando de patins como se houvesse dois rins em casa e fazendo a dramática na escola. Me acostumei com a moleza de viver naquele lugar exclusivíssimo, cheio de gentes fazendo minhas vontades, até minha família quebrar completamente e me enfiar numa escola pública HAHAHAHAHAH.

Eu ainda tinha aquele aspecto super saudável de criança desnutrida, mas meu cabelón maravilhoso foi cortado na machadada por causa de uma discussão com a minha mãe e eu fiquei parecendo um menino muito feio e muito magro. Escola pública, sem uniforme, começo dos anos noventa, um resto ainda do belíssimo senso fashion dos anos oitenta, grazadeus há pouquíssimos registros fotográficos da minha pessoa nessa época. Mas não consigo contar nos dedos quantas vezes alguém me barrou no banheiro feminino HAHAHHAHAHAHHAHA. Eu rio agora, mas naquele tempo eu chorava D:

Esse ano foi mágico. Todas as meninas desencalhando e eu parecia um menino. Todas as meninas cheia das curvas e eu parecia um menino. O cabelo de todo mundo perdendo o corte chitãozinho e eu parecia um bendito menino. Peguei nem gripe, obviamente. E assisti as meninas todas pegando todos meus pretendidos. 01 alegria em forma de sexta série. 

Mas se tinha uma coisa que eu achava incrível na escola pública, era o fato de as pessoas ganharem o lanche em vez de comprarem. Eu não conseguia compreender como um lugar podia DAR comida em vez de vender superfaturada hahaha. E todo intervalo era a mesma coisa, a fila gigantesca e eu SEMPRE numa posição privilegiada, porque se tem uma coisa que me motiva nessa vida, essa coisa é comida. 

Um dia eu tava lá na fila do pão com geleia de morango feat. leite com chocolate, meu lanche favorito de todos, concentradíssima na mentalização por um pão entupido de geléia, quando o maloqueiro oficial da escola e seus dois capangas me empurraram pro lado e disseram "esse lugar na fila é meu". Respondi que não e voltei pra onde eu estava. Eles me empurraram de novo e eu voltei pro lugar mais uma vez. Na terceira vez que me empurraram, a coisa mais imbecil do mundo aconteceu. Um dos aprendizes de maloqueiro se ajoelhou pra amarrar o kichute falsificado exatamente na hora em que eu empurrei o maloqueiro chefe, gritando enlouquecida NINGUÉM ROUBA MEU LUGAR NA FILA DO PÃO COM GELEIAAAAAA. Maloqueiro esse que caiu por cima do bocó abaixado e bateu a cabeça no chão, numa vibe bem três patetas. Por alguns segundos, fez-se aquele silêncio absoluto na área da merenda, todo mundo olhando pra mim e pro menino estatelado no chão. Minha amiga - amiga desde que a gente tinha 4 anos, amiga até hoje - vem no meu ouvido e diz "meu, se eu tiver que dar pra sua mãe a notícia que você morreu na escola, ela vai me matar também".

Nisso o menino recobra a consciência, levanta do chão e vem na minha direção. Eu, inabalável (só que nem um pouco, tremendo igual vara verde), mantendo minha posição na fila. Ele olha no fundo dos meus olhos e diz "Xirra (ele me escreveu milhões de cartas depois disso, me chamando de She-ra nessa linda grafia), te respeito. Pode ficar com seu lugar na fila. Mas só porque eu acho lindo seu olho amarelo."

Tô de parabéns ou não tô?

De um semestre pro outro, meu cabelo cresceu, meus peitos foram de zero a 44 (precisava, universo? Tinha necessidade?), eu tinha o amor dos três maloqueiros mais temidos da escola e ganhava lanche toda tarde. O que mais eu poderia querer? Um tacape? Um amor?

Em algum ponto desse semestre, também tivemos a melhor aula de educação artística do ano. A professora ensinou a fazer papel machê e pediu pra que a gente fizesse alguma coisa, QUALQUER COISA, pra dali algumas semanas, misturando papel machê com algumas porcarias que ela distribuiu pela sala. Eu ganhei uns retalhinhos, um pedaço de cabo de vassoura e um daqueles telhadinhos do meu pequeno engenheiro. 

Peguei minha gororoba e me fechei na lavanderia de casa, sem a menor ideia do que fazer com aquilo, porque escultura nunca foi minhas ~vibe na arte~. Fui misturando a meleca toda e não conseguia dar nenhuma forma praquilo, de modos que fiz uma bola gigante e botei o cabo de vassoura enfiado e deixei secando e o negócio ficou parecido com 

uma maça

Não tinha o que fazer com aquilo, então eu tentei pintar de vermelho e usar os tecidinhos pra dizer que era uma maçã (got got) do amor. Não deu. A tinta manchou, o tecido não era suficiente, deu tudo errado. Quanto mais eu tentava pintar, pior ficava. Até que a bola ficou preta, o cabo ficou preto e o telhadinho colou no meio da bola de modos que VIROU UM SACI hahahahahaha. Taquei o tecidinho como se fosse o chapéu e jurei pra todo mundo que o tempo todo eu quis fazer um saci pererê, ó que prendada. Não deu cinco minutos depois que a aula acabou pro troço virar o que nasceu pra ser, uma belíssima arma medieval como a da foto, que eu tacava nas fuça de qualquer um que quisesse rir do meu saci. Taquei por engano num menino que eu achava lindo e amava profundamente, porque ele aproveitou esse momento xirra xena guerreira pra dizer que queria namorar comigo e eu achei que ele estava me zuando. Não estava. 

*****

Depois de estudar por um ano com a nata da sociedade paulistana ~ryzo~, meus pais resolveram dar um rumo na vida se mudando pro interior. Não é maravilhoso? Spoiler: não. E o acordo era que dessa forma eu voltaria a estudar em escolas incríveis pro intelecto infanto-juvenil e seria presidente da república um dia e blábláblá. Chegamos na cidade incrível (não) que meus pais escolheram e onde eu fui estudar? Isso mesmo, numa escola pública horrorosa. Não que não houvesse uma escola pública boa, mas aquela era a única em que minha mãe tinha coragem de me matricular pela proximidade de casa, jurando que eu aprenderia o caminho e poderia ir sozinha, já que era apenas uma linha reta em seis quadras, a distância entre uma coisa e outra. Mas não havia meio de eu ir ou voltar sem me perder, então minha mãe passou dias me levando de carro, até ela perder a paciência eu conseguir me virar sozinha.

Obviamente, no primeiro dia em que eu fui sozinha pra escola eu consegui me perder (e em todos os outros 53 dias depois desses). Num desses dias, em que eu ainda não sabia direito como ir, a gente teve uma aula sobre filatelia. Eu sabia bastante sobre o assunto, já que minha mãe colecionava selos. E na minha casa tinha um álbum maravilhoso, trabalhado nos selos raros e diferentes. Comentei isso com a professora (bem típica aluna retardada, que participa da aula) e ela pediu que eu levasse a coleção no dia seguinte, se minha mãe permitisse. Minha mãe deixou, eu levei. Fiquei com ela o tempo todo e a ~visitação~ aconteceu na minha mesa, todo mundo encantado e tal. No fim da aula, eu estava parada no portão da escola tentando lembrar pra que lado ficava minha casa (isso é sério, eu nunca sabia), quando vi uma roda se formando à minha volta.

Inicialmente eu não me abalei. Eu era a rainha dos maloqueiros até alguns meses antes, ninguém ia ter coragem de fazer nada comigo, né? ERRADO. A rodinha foi fechando, enquanto khaleesi maloqueira de cidade do interior berrava que ela gostou dos selos, então agora eram dela, pra eu fazer o favor de passar e ficar quietinha. A bocó entrou no meio da roda comigo, quando eu pensava seriamente que ia morrer debaixo daquele povo todo e morrer de novo quando minha mãe descobrisse que perdi a coleção de selos. Me dei conta que minha mãe me dava mais medo que aquele povo todo junto, aproveitei que khaleesi era imbecil o suficiente pra vir cheirar meu nariz, peguei a fia pelos cabelos, derrubei no chão e prendi a cara dela no asfalto. Naquele lugar lindo em que a temperatura ao meio dia beirava os 45ºC no sol, cê imagina que gostoso que deve ter sido.

Montei na menina, a cara dela no chão, todo mundo em volta sem fazer nada. Ela tentava se soltar e eu só gritava "DESFAZ A RODA! SAI DA MINHA FRENTE! QUANDO EU SAIR DE CIMA DELA, NÃO QUERO NINGUÉM ATRÁS DE MIM, SENÃO EU RALO A CARA DELA NO ASFALTOOOOO" (quem nunca me ouviu dizendo que ia ralar a cara de alguém na brita?). As pessoas demoraram um pouco pra me levar a sério, então eu apertei a cara da menina no asfalto mais um pouco, ela gritou mais um pouco, a roda foi abrindo, todo mundo foi voltando pra dentro da escola. Quando achei que a distância estava segura, saí de cima da menina e corri pela minha vida.

Vinte quarteirões depois, percebi que não tinha passado nem perto da minha casa e nem sabia onde eu tava. Não tinha a menor ideia. Sabia que se sobrevivesse àquela temperatura ou ao possível encontro com algum coleguinha de sala, não sobreviveria à minha mãe. 

Enquanto isso, ela chegou em casa pra dar almoço pros meus irmãos. De tarde eu era a babá da galera, então eu nunca deixava de voltar pro almoço, só me atrasava dependendo do quanto eu me perdia no dia. Naquele dia, eu não chegava nunca. Minha mãe foi até a escola, onde disseram que a turma foi dispensada no horário normal e ninguém ficou na escola (contar que quase aconteceu um massacre, ninguém contou). Minha mãe saiu furiosa pelas ruas da cidade me procurando e, por algum milagre, encontrou. Eu estava sentada na sarjeta chorando um rio, desesperada de pavor de nunca mais encontrar minha família (brigada quem inventou o celular e vai privar crianças dessas sensações). Não sei se foi o meu desespero ou a minha bravura em salvar os selos - porque eu contei pra minha mãe a história toda - eu não levei bronca e não fiquei de castigo pela primeira vez na minha vida. Voltamos na escola, pegamos o endereço da menina (ó o tipo da vida naquele tempo), fomos até a casa dela e minha mãe saiu berrando com o pai da menina, que vinha a ser apenas um traficante conhecido na cidade inteira hahahahaha. Quando eu comecei a achar que daquela vez eu ia morrer MESMO, o cara olhou pra mim e pra cara toda arregaçada da menina e falou "foi essa aí que fez esse estrago na tua cara? que vergonha, merecia apanhar de novo". E a gente teve que sair de lá e ainda denunciar o cara no conselho tutelar. Que vida gloriosa essa minha.

Depois disso, ninguém na escola tinha coragem de mexer comigo, né? Nem de ser meu amigo nem nada e tal, mas isso não é importante. A gente vive bem isolado. Eu vivo, pelo menos. Grazadeus.

Só no fim do ano que um menino expulso de outra escola foi aceito na minha, viva. E a gente tava em qual aula quando se deu o perrengue? Isso mesmo, educação artística. A professora estava explicando vitrais e pediu que a gente fizesse um, do material que quisesse. Eu comprei cartolina preta e quatrocentas cores de celofane e passei dias desenhando uma arara cheia de detalhes, depois recortando o contorno da bendita arara cheia de curvas na cartolina, depois cortando celofane, colando celofane, deixando o negócio tão maravilhoso que nem eu acreditava que tinha sido feito por mim mesma. Ao mesmo tempo, achei bem básico e simples, achei que todo mundo tinha tido a mesma ideia. Não tinha. Meu vitral estava mesmo chamando a atenção, tinha ficado a coisa mais linda que meus dons artísticos seriam capazes de fazer. O expulsinho ficou #chatiado depois do milésimo elogio da professora e, assim que ela me entregou o vitral de volta, puxou da minha mão e tacou no ventilador de teto.

FIM.


*****

No ano seguinte eu voltei a estudar nas melhores escolas. E oremos por isso, porque foi quando a fase piriguete juvenil foi iniciada e não quero nem pensar no estrago de acabar me interessando por esses jovens delinquentes atiradores de coisas alheias no ventilador. Não acho que fosse possível, mas nunca se sabe. Só tenho a agradecer pelo maior drama da minha vida depois disso ter variado sempre em tópicos do tipo "qual desses dois irmãos é o mais inteligente, o mais velho ou o mais novo?" ou "prefiro meninos do terceiro ano da escola ou da faculdade?" ou até mesmo "assisto aula de física da minha turma ou da turma de engenharia?", optando sempre pela segunda opção e levando uma vida muito feliz, a ponto de desejar viver pra sempre nos 15 anos.

Nunca mais ralei a cara de ninguém no asfalto, derrubei ninguém com a cabeça no chão ou rachei os miolos de alguém com um tacape, mas nunca se sabe quando vai surgir uma nova oportunidade, né?

:)