segunda-feira, 20 de julho de 2015

trigger warning: person easily ofended



Eu sou aquele tipo de indivíduo que nasceu achando que precisa fazer alguma coisa. Eu não acredito em horóscopo, mas é muito engraçado ler que o virginiano não se permite o dolce far niente. ~Os virginianos~,  enquanto um grupo de pessoas que deve compreender um doze avos da população, não sei dizer. mas pra mim a coisa é bem séria.

Não tinha nem 15 anos quando comecei a visitar orfanato. Mas não tinha um dia que voltasse pra casa de alto astral. Voltava derrotada numa intensidade que minha mãe logo proibiu. Tentei de tudo, animaizinhos, gente pequena, gente idosa. Eu acho que tinha uns 22 anos quando passei a visitar um asilo, até que durou bastante tempo, mas teve um dia que não deu mais.

Me pergunto se é culpa da introversão ou da alta sensibilidade (HSP), mas meu mundo desaba quando eu tento fazer coisas benevolentes in loco. Aí um dia a solução apareceu: um sistema de apadrinhamento de crianças com problemas graves de saúde, à distância. Quer dizer, a instituição está em Curitiba e é possível visitar quando quiser, mas você pode escolher não fazer isso. Quando eu entrei em contato com a moça, eu perguntei se o meu "afilhado" ficaria chateado com a ausência, se seria o único, sei lá. Ela disse que não, então eu expliquei que não me sentia confortável em levar baixo astral pra criança pessoalmente. Então todo mês ela me ligava avisando que um voluntário vinha buscar a doação e aproveitava pra me dar notícias da criança. Fiz amizade com o moço e ele me disse que estava disposto a levar outras coisas pra instituição, se eu quisesse. Então passei a mandar brinquedos, revista em quadrinho, essas coisas bobas que alegram crianças. Eventualmente mandava a mistura que ele precisava pra se alimentar e tal. A vida ia bem.

Um dia, a moça me ligou no meio de um dia corrido e eu falei pra ela que não podia conversar, mas que tava tudo certo pra doação daquele mês, marquei a hora e desliguei. Alguns dias depois, liguei pra me desculpar e pra pedir as notícias que eu não tinha tido tempo de ouvir. Ao perguntar do menino, o segundo de hesitação foi o suficiente pra quebrar meu coração.

- Vanessa... O Alisson morreu.

CATAPLOF.

Cê não imagina a choradeira em pleno horário de expediente, sabe? A moça ainda me perguntou se eu continuaria doando depois disso e eu perguntei se dava pra ser uma coisa mais geral, sem escolher criança específica e ela disse que sim. Então eu doo até hoje. O inconveniente é que trocaram a moça da doação e essa nova NÃO ACEITA que não adianta me convidar pra eventos, eu não vou. E quando ela vem explicando "neste mês aconteceu uma catástrofe com fulano e...", eu tenho que interromper ali mesmo. Eu repito sem parar que é pra me dizer que precisa de mais dinheiro, mas não me dizer o motivo, senão eu vou cortar a ligação ali mesmo. Ela ainda não aprendeu, mas tenho fé de que vai. O drama não ajuda em nada, tem mesmo é o efeito contrário.

Me peguei pensando nisso porque estas últimas semanas estava especialmente difícil usar redes sociais, o facebook principalmente. Faz muitos anos já que configurei meu navegador pra entrar direto no meu perfil. Eu nunca entro numa rede social pela timeline. Sabe essa coisa da introversão, de a gente ter que se preparar psicologicamente pra interagir com pessoas, incluindo no telefone, de modos que você jamais será atendido na primeira ligação pra um introvertido? Eu entro na rede social, eu olho as notificações, eu penso na vida, eu respiro fundo, eu vou pra timeline.

Mas essa semana tava especial. Era abrir a timeline e ver uma desgraça. Gente, que prazer as pessoas têm em filmar, descrever, compartilhar ou fotografar desgraça? Eu queria entender. A maioria das pessoas em que eu dou mute ou unfollow publicaram uma desgraça. E é uma pena, porque às vezes a pessoa passa a maior parte do tempo interagindo de uma forma legal e PÁ, uma foto de gente morta na minha cara. 

O problema é que isso desencadeia uma série de reações físicas em mim que fica assim um pouco difícil me desenvolver com graça pela vida.

Tudo bem se eu ficar sem comer, se eu ficar 12 horas sem olhar a internet, se eu ficar emburrada. Basicamente só afeta a minha própria vida. Mas às vezes tem um animal precisando de ajuda, uma pessoa desaparecida, uma criança precisando de alguma coisa. E eu quero ajudar, cara. Sempre tem roupa pra doar na minha casa. Tem vezes que tem móvel, eletrodoméstico. E tem dinheiro, muitas vezes tem dinheiro. Mas se o post está fazendo com que minha pressão caia, meu estômago contraia e eu comece a sentir ânsia de vômito, eu vou ocultar o post na velocidade da luz. Não vou ter condição de voltar até ele pra ver detalhes e, bom, vou chorar o resto do dia porque não consigo ajudar. 

Ó QUE MANEIRO!!!!!!!!11111111111

Essa semana eu vi cada coisa horrível, que estou aqui, passando muito mal enquanto escrevo. Porque algumas das imagens ficam me assombrando, sabe? Tem um cachorrinho, especialmente, que eu choro cada vez que penso nele. Chorar ajuda? Nem ele, nem a mim. Eu consigo fazer uma coisa eficiente? Não consigo. Porque o post sobre ele tem um vídeo INSUPORTÁVEL - pra mim, pelo menos - então eu não consigo nem procurar quem foi que postou (já que eu obviamente ocultei). E fica ecoando na minha mente o sofrimento da pobre criatura que eu não consigo ajudar.

Eu queria que fosse possível pedir pros amigos me filtrarem quando postarem tristeza, sabe? Não interessa se é imagem, vídeo ou descrição detalhada em palavras. Sério, gente. Não é nem o caso de tampar o sol com a peneira e pensar que o mundo é cor de rosa. Eu tenho um freaking fundo para desgraças. Tem aquele dinheirinho que fica guardado, pra ajudar a primeira pessoa que pede naquele mês. Eu SEI que o mundo não é fácil, mas VER a coisa ocorrida não me ajuda, gente. 

Umas duas semanas atrás as pessoas tavam muito impressionadas com uma cobra comendo um morcego em algum lugar. A primeira vez que apareceu na minha frente, eu bloqueei o lugar que postou em primeiro lugar (pra não bloquear a miga), pra acabar com a possibilidade de aquilo aparecer na minha frente de novo. Mas não é que outro lugar fez OUTRO post e, quando alguém compartilhou, PÁ, a cobra na minha frente de novo.

Pois eu tenho aquele pavor incapacitante de cobra, sabe? Eu não sabia disso aos 8 anos, quando a excursão da escola foi pro Instituto Butantan, de onde saí carregada depois que um coleguinha me empurrou em direção a uma cobra qualquer. Se eu entro no quarto da minha mãe e ela está vendo animal planet, não é raro eu despencar. Uma vez eu tava lá bem bonita indo buscar alguma coisa e uma mamba negra na tv de 934857 polegadas. Reflita. Uma vez eu estava andando no campus onde eu trabalho e vi uma cobra às 8 da manhã. Paralisei de medo, botei todo o café da manhã pra fora e pensei "deus, me ajuda". Foi nessa hora que eu vi que era só a pele da cobra que estava ali, num tinha o ser vivo em si. Me pergunta se eu voltei a usar aquele caminho naquele ano. A resposta é não.

Uma pena que neste país a gente não tem aquele bonito conceito de trigger warning, que a gente não consiga fazer uma filtragem decente das nossas redes sociais por palavras e imagens que derrotam nosso dia. Outro dia quase quebrei meu celular porque uma pessoa achou conveniente colocar uma taturana no instagram. TRIGGER WARNING, migas. Não custa. Tinha que ter essa disponibilidade pra pessoa com dificuldades de lidar com a vida em geral. Por um mundo onde eu possa filtrar minha internet.

Então fica o apelo: você precisa de ajuda pra um animalzinho em sofrimento? Sem problema: me manda uma mensagem em particular, dizendo "animal em crise, socorro, pls, número da conta em anexo" e pronto. Não precisa me provar que alguma coisa ruim está acontecendo, eu não vou pedir prestação de contas, mi money es su money. 

Só gostaria de evitar acrescentar dificuldades na minha vida, quando ainda tenho que viver como se estivesse dentro de um jogo, em que passar do portão de casa ou interagir com outros seres vivos já gasta uma energia desgraçada, sabe? Não é como se tivesse energia sobrando e etc.

Obrigada eu,